segunda-feira, setembro 18, 2006

Almofada

Tenho pena que não haja aves no ar.
Ouço asas a bater e acredito que o voo se tenha levantado do rastejar indefinido.

Ainda não sei em que é melhor voar que rastejar, estou apenas no início da minha pena.

Referia-me eu às asas das aves quando pensava, porque pensava, em voos rasantes, coladas à indefinição do recorte da paisagem.
Voos sobre as águas.
Asas a bater com violência nas rochas e penas a soltarem-se em voo no ondulado ininterrupto do acaso.

Queria apenas saber como se respira nas alturas, quando se está a sair do intervalo estreito e ansioso, da gaiola genética que nos conformou.
Há vestígios aqui de espaço superior e apenas ousamos ter pena de não ser diferente.
É penoso pensar que não vale a pena.
E é penoso ousar fugir da prisão, condenados à capital pena do capital poder do capital.

Capitalizar ou capitular poderia ser a divisa da nova bandeira.
Nova?
Não tão nova como a novidade do humano a perseverar sobre uma inocência pendente de ilusões em cadeia.
O núcleo de uma bomba que explode ao ritmo do sopro e da respiração, reduzindo o dizer à repetição da fórmula e da norma, do segredo que transita uniforme até se tornar verdade.

É pena que seja assim. Pena dura que já não voa na asa quebrada do pote de ouro.
Não me mace com coisas complicadas que isto de viver faz-se com uma perna às costas, e um braço ao alto, e a cabeça assomando no canto inferior esquerdo do início de tudo.

Partimos do princípio com a intenção de começar de novo.
Soletramos as letras dos letreiros abandonados e queimados pelo calor do sol, onde estão inscritas as proibições antigas substituídas pelas proibições mais recentes das novas liberdades.
Aqui já ninguém voa.
As asas são quebradas à nascença com alegria numa festa de anúncio de todas as liberdades e de todas as satisfações. Tudo nos será dado.

Quando não sei rio-me de não saber; quando não tenho rio-me de não ter; quando não sou rio-me de não ser. Substituo uma pena escura por uma pena colorida e papagueio engrandecido o hino da diferença igual à diferença mais igual que houver.
E comparo, claro que comparo, meço, peso, avalio, calculo e volto com a revolta que outrora adquiri a preço de custo num bazar chinês.

Poupo os tostões e o pensamento à frente das imagens que já decidiram ser-me essenciais.
E eu fico a olhar, ocasionalmente opaco, ocasionalmente adormecido, sem pena, nem penas, apenas com pena de não ter certezas sobre a intrigante natureza do espaço elementar.

Prólogo

1 comentário:

Maria Carvalhosa disse...

Comentário deixado em "Prólogo", como de costume.