TM - No seu entender o que é que, digamos assim, impede a saída em breve do seu tão aguardado trabalho?
IM - É uma longa história. Talvez você tenha paciência para a ouvir, mas eu não tenho paciência para a contar.
TM - Dito de outra maneira: o que é que lhe falta escrever?
IM - Tudo.
TM - Tudo?!
IM - Sim, onde é que está o espanto? Um livro antes de ser publicado tem que ser escrito. Antes de ser escrito tem que ser pensado. Eu sei que muitas vezes não chega a ser pensado, mas esse não é o meu método. Eu penso uma história, investigo, acumulo elementos, escrevo esboços, reescrevo e só na fase em que já estou farto de reescrever é que considero a obra terminada. Digamos que termino por desistência. Porque estou farto, porque não posso mais.
TM - Foi assim com os seus primeiros livros?
IM - Hum... Não sei, já não me lembro. Embora pareça que foi ontem não me lembro dos pormenores. Aliás, não há coisa que me aborreça mais do que os pormenores. Perdemos demasiado tempo com pormenores. Hoje é assim que eu escrevo.
TM - Isso quer dizer que está a meio de um texto e está à espera de se aborrecer na respectiva reescrita e por isso não é capaz de prever uma data para esse cansaço...
IM - Nada disso. Ainda nem o comecei a pensar. Como sabe iniciei recentemente um relação amorosa muito intensa e absorvente. A Cátia é uma mulher muito exigente e a minha ex-mulher não é menos. Tem sido uma luta titânica com os elementos para conseguir levar a bom termo esta tarefa. Ainda sou do tempo em que se fazia uma coisa de cada vez para que ela ficasse bem feita. Quando este passo estiver dado passarei a outro. É este o andamento natural da história. Se fazemos concessões no processo artístico, acabamos irremediavelmente a reescrever não o que criamos mas o que outros criaram.
TM - Em mil novecentos e sessenta e seis publicou, em edição de autor, "Volúpia de uma andorinha". Tinha dezasseis anos e o livro foi recebido com grande entusiasmo...
IM - Dezassete. Tinha dezassete anos.
TM - A nota do Diário de Notícias (DN) fala em dezasseis anos...
IM - Foi a minha mãe. Sempre teve dificuldade com as datas. Ainda hoje me trata como se eu tivesse doze anos. Não tenho nenhuma explicação para isso. Mas não é por mal. A esta distância tanto faz. Dezasseis, dezassete. Se fosse hoje já teria algumas medalhas de campeão de futebol. Não há diferença nenhuma. Hoje não deixaria que a minha mãe interferisse no meu processo criativo. Mas nessa altura era menor.
(continua)
Torcato Matos
4 comentários:
Fogo!
'tou farta disto, Zumbido!
Rifa lá o Torcato e dá a vez a outro. Manda o Ivo Cação escrever e eu prometo vir fazer comentários com nível.
Fausta, vou tentar falar com o Ivo para ver se ele escreve alguma coisa. Parece que a ausência da Chris lhe tira a inspiração. Quanto ao Torcato deixa-o estar: alguém tem que fazer o trabalho difícil.
Gosto do título da primeira obra, muito sugestivo :D
Foi uma pena ele ter-se metido com o mulherio que lhe tira o tempo... Mas ele pode publicar o que tem escrito, do género "notas do meu moleskine" (agora essa onda anda a dar)
Cara MRF, não estou a imaginar o Dr. Isidro Medário de moleskine na mão. Escrita bamboleante ao sabor da inspiração e do acaso não parece ser o seu género. É mais seguro vê-lo oito horas seguidas em frente a um teclado gastando os dois indicadores a reescrever pela centésima vez uma frase até que ela se pareça com uma onda do mar.
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