terça-feira, novembro 21, 2006

Indivíduo

Após ler Palavras em Linha


Parece existir no humano uma inadaptação ao limite.

Em criança, quando soube da extensão imensa do universo, aceitei que nunca iria aprender o infinito. Parecia-me que na minha pequena dimensão não caberia nunca essa coisa estranha, essa impossibilidade de um caminho que nunca acaba.

Adolescente, enredado entre a hormonas e a estreiteza insondável dos átomos e da sua miserável pequenez, angustiado por entre dois pontos haver sempre um terceiro, impotente para acompanhar as potências negativas dos números, não acreditava que alguma coisa fosse mais complexa que não haver fim.

Só mais tarde, quando me confrontei com a fronteira, quando tive pela frente o desenlace dos fenómenos, quando o rosto anónimo da morte se impôs como destino, percebi como era bem mais fácil compreender o infinito.

Ao humano, por força do acaso, foi dada a possibilidade de ser o que não é. Lutam nele duas dimensões inconciliáveis: ser finito que pensa infinito. Dividido, corre todos os passos à procura de não ser verdade. A cada acontecimento associa uma esperança e a cada término um reinício.

Nenhum outro animal tem na mente o infinito. Coube ao homem a dureza da opinião, saber sem saber, conhecer sem conhecer, compreender sem compreender. Entre o infinito intolerável e o finito que não suportamos sem ter alguma coisa depois. Mais inconciliável não poderia ser.

Sobre esta disfunção se construiu o delicado equilíbrio da existência humana. Para o não saber criou-se a fé. Contra o fim criaram-se os deuses. Contra o medo criou-se o poder. Contra a angústia criou-se a ilusão. Pela paz criou-se a submissão.

Blindaram-se os sentidos com alusões a sabedorias secretas. Marcaram-se no terreno os extremos do sagrado. A alguns foi dado o direito de subir mais alto. E a todos os outros destinou-se como nobreza o sofrimento.

Não é fácil o confronto com o limite. Saber que ali à frente a curva do caminho se dobra sobre si desarticula a consciência. O fim não tem sentido. O fim é sempre o recurso pobre de um mau escritor de novelas.

Artur Torrado

6 comentários:

mfc disse...

O encontro com a finitude é algo que colide com a nossa tacanhez atávica!

Anónimo disse...

gosto de nos saber num ser finito que pensa infinito.
nem sequer se trata de esperança
o poder da adaptação a espaços que nem sequer são conhecidos é uma coisa espantosa
a vida é uma coisa espantosa

Artur Torrado disse...

mfc - há pessoas que lidam bem com a finitude. A cultura dominante - e eu, queira ou não, estou dentro dela - prepara-nos apenas para as soluções de continuidade. A descontinuidade é sempre um precipício.

jp - cem por cento. O que digo não é queixume ou recusa mas interpretação. Estas coisas de que falo são coisas de que gosto e que procuro entender.

Anónimo disse...

nem eu falei que falavas de queixumes.
o que me parece sinceramente é que pensas alto.
e isso lê-se.
com prazer.
:-)

addiragram disse...

Belíssimo texto, em primeiro lugar!
A aprendizagem da finitude dá-nos, de uma vez por todas, o sentido de que a Vida é mesmo para viver,sem mais delongas.

Artur Torrado disse...

Obrigado, addiragram. Quando penso em aprendizagem ou em educação tento reter essa diferença, que não é apenas formal, entre a aquisição de conhecimento prático e o ajuste da mentalidade ao real. A segunda parte é muito mais complexa, e muito difícil de medir. Suponho que aquilo a que chamamos lucidez e serenidade tem muito mais a ver com esta variante da aprendizagem do que com qualquer outra. E a serenidade é impossível enquanto a finitude não se integra na nossa ideia do mundo.