terça-feira, agosto 08, 2006

A dificuldade de ler (36)

A pontualidade britânica de Franz fez-se notar no momento em que chegou ao trigésimo segundo andar e, de olhar focado num horizonte que só ele via, se encaminhou para a plataforma de onde mais longe se avistava o mundo naquele edifício.
- Franz!
A voz inesperada de Weissmuller travou o ímpeto de Franz que estacou ao mesmo tempo o passo e o olhar focado no tal horizonte.
- Há momentos desagradáveis em que estes jogos de números me parecem insolúveis e me sinto objecto de gozo do não-identificado (NI) que o fez. Como se o NI tivesse a intenção de criar o caos na cabeça daqueles que se entretivessem a resolver os seus quebra-cabeças.
- Não esperava encontrá-lo aqui Weissmuller.
- Mas por outro lado a minha fé na natureza humana leva-me a acreditar que o NI não teria esses maus instintos e que, por exemplo, posso estar perante uma gralha: alguém (A) ao transcrever o problema pode ter-se enganado num número ou na posição em que o colocou e com isso ter gerado um problema impossível.
- Deveria estar a cuidar dos seus doentes Weissmuller.
- É engraçado pensar que a simples troca de um número por A pode tornar o possível em impossível. Um pormenor de tão pouca importância a torcer para sempre a uniformidade do sentido.
- Não percebo do que está a falar Weissmuller.
- Nunca resolveu um problema de Sudoku, Franz?
- Não, Weissmuller. Não perco o meu tempo com inutilidades.
- A mim dá-me gozo enfrentar estes pequenos demónios. Uma única saída num pequeno labirinto. Genial, meu caro Franz. Genial. Porque os momentos desagradáveis de que lhe falava há pouco, são parte integrante da genialidade. Há mesmo, nos melhores problemas, um momento de desespero. A fé desaparece, procuramos um ponto qualquer onde segurar o que nos resta e os números mostram os caminhos todos tapados.
- Weissmuller, será melhor irmos descendo.
- Mas a seguir descobrimos uma brecha na muralha e renasce a esperança. Há uma saída! Há uma solução! Não há indeterminação nem redundância. Confesso-lhe que é um momento avassalador.
- Tenho que ir, Weissmuller, vão dar pela minha falta no meu gabinete.
- E há jogos, Franz, em que esta apoteose é múltipla! O desespero e a esperança alternam várias vezes e deixam o coração em alvoroço.
(continua)
Torcato Matos

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