Hoje não subo ao topo da montanha.
Não levo a pedra, nem o meu corpo, nem o pensamento ao alto.
Hoje a força da gravidade não fará o seu trabalho que, como o meu, é um castigo dos deuses.
O calor do dia queimou as minhas mãos e tornou impossível outro sonho.
O que valia a pena ontem não vale a pena hoje.
Pelo calor, pela importância das chamas que vão consumindo a floresta.
Também pelo ar seco que leva a garganta a perder a voz.
Hoje, excepcionalmente nego o castigo dos deuses.
Sei que cada negação dobra a pena e cada desobediência multiplica a ira.
Mas, mesmo assim, hoje não subo lá ao alto do esforço.
Haverá outros dias em que pagarei os juros.
Noutra altura saberei ser mais forte e penar a minha pena com entusiasmo.
Pode mesmo haver a improvável sorte de os deuses perdoarem o meu desvio.
Pode mesmo acontecer que eles percebam as minhas razões e esqueçam este acaso.
Hoje, seja como for, não vou lá, não me mexo daqui desta imobilidade.
Não me apetece sequer pensar nas duras consequências dos meus actos.
Hoje, sem exemplo, fico à espera que o tempo arrefeça e as chamas se apaguem.
Tudo seria diferente se eu soubesse como contrariar o corpo.
Se em algum momento da minha vida eu tivesse aprendido a dominar a besta.
Se, como é próprio de quem quer andar neste mundo, eu tivesse olhado com mais cuidado para a natureza informe da paixão e a tivesse sabido colocar à margem do ser.
Tudo seria diferente se eu soubesse.
Mas hoje, por não saber, fico aqui à espera que o tempo leve este dia.
E fico à espera também que os dias seguintes o esqueçam e possa tudo não ter passado de um efeito secundário do calor.
Talvez amanhã eu consiga por um pedra sobre o assunto.
1 comentário:
Gostei. Estive contigo em todo o percurso que não fizeste e nas razões que te levaram a não o fazer.
Um beijo.
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