domingo, agosto 13, 2006

Som

Esta casa, agora, tem um silêncio morto. Os sons que chegam lá de fora, cheiram a ecos secos. A luz que passa pelas cortinas embacia os olhos e faz sombras nas lombadas. Há por aqui um silêncio morto que não se esconde. Salta à vista por cima dos móveis e ressoa assombrado nos cantos onde o pó se arruma.

Não costumo ter amor aos lugares. Sei da sua temporalidade e temo-a, e por isso não quero nada que me ligue a eles. Mas é inútil não querer ter sentimentos quando eles sentem por si sós. O telefone já não toca a surpresa que às vezes acontecia. Menos ainda a campainha da porta que nunca tocou nem esperei que tocasse. Não acendo o fogão. Prefiro queimar o tempo refazendo outra vez a história, recontando-a a mim e ao silêncio morto da casa.

Espero que as janelas abertas levem um pouco da sufocação que aqui se acumula. Circula algum ar fresco mas traz um cheiro já cansado. Também o ar já se esgotou a entrar e a sair de milhares de pulmões famintos. Agradeço-lhe a solidariedade mas não sinto nada ao agradecer.

Tentei pôr uma música, encher um pouco o silêncio com alguma harmonia, dar à casa um vapor capaz de a desassombrar. Não foi possível continuar porque a música, qualquer música, traz com ela memória, e por agora, por enquanto, a memória dói como se fosse um espinho.

Rasguei uma folha do calendário que tinha ficado esquecida e pensei que poderia ser isso. Poderia ser o tempo parado do calendário que tinha deixado imobilizados o silêncio e a sorte. Eu sabia que não era assim mas quando se convive com o silêncio morto começa-se a ter comportamentos desajustados e infiltrações de abandono nas articulações.

Fico a pensar nas muitas coisas que há para fazer e que agora não parecem ter importância nem força para me mover da letargia do silêncio morto. De repente tudo é feio, inútil e bronco. Não há para quê que justifique um movimento em falso. Apetecia-me chuva. Muita chuva lá fora a inundar os caminhos, sons de trovoada, vento medonho, aterrador. Queria os elementos a jogar do meu lado, a sacrificarem-se por mim.

Mas não há nenhuma ligação entre as coisas. Este silêncio morto que aqui jaz nesta casa, não tem a ver com nenhuma outra coisa do universo. Está aqui por acaso como poderia estar noutro lado qualquer, a ser sentido por outra pessoa qualquer que como eu, ou ao contrário de mim, não soubesse o que fazer para se livrar dele. Gostava que ainda fosse como antes quando eu acreditava que havia relação entre os acontecimentos do mundo e podia, por isso, ambicionar a ter algum papel no evoluir das situações. Aí eu acreditava - e ao acreditar sentimos o que acreditamos mesmo que não seja - que podia fazer alguma coisa para o silêncio morto se ir embora, ou ressuscitar, ou transformar-se em música, ou outra coisa qualquer que pelo menos me enchesse de actos e palavras até que deixasse de sentir ou pensar a morte do silêncio.

Beatriz Teresa
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