Deverá haver um termo intermédio entre existir e desistir. Ou mesmo um degrau acima e outro abaixo. Uma gradação que deixe escolher a quem escolhe - a quem quer e tem vontade - a área de serviço que não existe, nem desiste. Haverá mesmo, assim acredito, um não existir nem desistir para os que não têm vontade, nem vontade de ter vontade.
Começa-se, digo eu, por saber de um lugar e sobre o lugar de que nada se sabe inventar um nome - provisório como todos os nomes - um nome inicial para sabermos do que falamos quando falamos daquele lugar sobre o qual nada sabemos. Do lugar que desconhecemos podemos chegar a todos os outros lugares também incógnitos e com eles fazer uma geografia do desconhecido. Dizemos então que estivemos neste lugar em data incerta, muito antes de outros, primeiros no lugar e no nome e perfeitos por isso e por não sabermos.
Depois, sabido o nome, que é sempre um nome provisório, partimos em viagem. Basta saber o nome para que a seguir já seja possível partir, porque agora já sabemos o nome de um lugar de regresso e, mais ainda, sabemos de um lugar que ninguém sabe e que pode ser anunciado como tesouro particular.
Numa viagem, enquanto o nosso olhar pousa sobre lugares que já não são os mesmos do andamento anterior, dizemos aos desconhecidos que sabemos de um lugar que eles não sabem e deixamo-los com desejo, também eles, de viajar, de partir, de sair do lugar onde estão para verem os lugares onde nunca estiveram. O lugar de nome provisório será assim divulgado para que conste de outros inconscientes colectivos e solicite mistério e magia na imaginação crispada de quem segue todas as setas salivares e ignora o som cavo do interior.
Durante a viagem que fazemos à procura de lugares de que não ouvimos falar, propomos aos desconhecidos desses lugares os nossos, para os deixarmos ansiosos e desanimados. Ficamos assim na posse, não só de um lugar novo com nome provisório, como também de pessoas provisórias, divididas entre existir e desistir, ignorantes como nós, como eu, de alternativas, mas mais ignorantes do que nós, do que eu, por ainda acreditarem em lugares que nunca viram.
As viagens acabam por acabar. Mesmo que logo a seguir comecemos outras, mesmo que o fim de uma etapa seja o início de outra, há um momento em que dizemos, em que digo, esta viagem chegou ao fim. Estou cansado, acabo aqui a viagem que comecei no lugar que descobri com nome provisório. E mesmo que eu continue a caminhar enquanto falo do fim da minha viagem, é aí nesse curto espaço de uma frase que se delimita o fim e o início da frase seguinte.
Há a meio de qualquer viagem um momento de desânimo. Do lugar com nome provisório incluído avulso na carta de navegação, fica, com o tempo, a imagem nítida de ter sido uma miragem. Chora-se então pelo lugar perdido e diz-se aos desconhecidos dos novos lugares da viagem, que havia um lugar que era mais lugar do que este, em que entre existir e desistir, muito para além do possível, havia outras nuanças.
Depois, depois do meio da viagem, depois do momento de desânimo, o corpo incorpora a pouco e pouco a miragem e dá ao real o colorido novo da consciência.
Prólogo
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