quinta-feira, julho 13, 2006

Dever

Devemos esperar simplicidade nas leis da física.
Exactamente como esperamos no amor e na alegria.
Para cada acto improvável criam-se à volta dos pensamentos auréolas de insanidade.

Deve haver uma equação a várias incógnitas para a loucura.
Soma-se, subtrai-se, divide-se e multiplica-se o resto pelo desejo.
E as incógnitas permanecem à superfície de uma exactidão imoral.

Deve haver um sistema indeterminado para calcular a moral da história.
Cada equação traz a indiferença perante a hipótese do olhar.
Cada variável agarrada a uma constante indefinição.
Cada termo compondo um princípio básico para o fim.

Devemos buscar a ordem na finalidade.
Cumprir os rituais que levam a dignidade à morte e sentir esta manifestação opaca do querer como uma épica manobra do medo.

Devem o ter e o ser sobrepor-se na sua branca nulidade.
Afagar a dor como companheira para amansar a fera escura e pura.
Preparar a arma e a vontade para perecer com mágica alegria.

Devemos esperar simplicidade nos cálculos.
Exactamente como esperamos simplicidade na nuvem e nas estrelas.
Para cada pensamento improvável ocorrem poderosos actos de demência.

Deve haver um momento irresolúvel em que a paz se instala.
Antes, agora, depois, no acordar seco da aurora inquestionável, precipitam-se os cristais amorfos do que parecia possível.
Eleva-se no ar a força fraca de não saber ler, nem escrever, nem contar com o passado nem com o futuro para nada.

Deve haver um eficiente e dedicado professor que nos ensine a não perder, a colocar sobre o prato da balança a massa atómica das partículas elementares da existência, a ver pelo tubo óptico o disfarce continuado dos elementos, a misturar no copo todos os ilíquidos pensamentos nucleares, a sondar com infinita prudência a inércia fraterna da matéria.

Devemos passar os dedos com suavidade contida na textura fina da pele que amamos e procurar em cada poro esse infinito que se ausenta a cada momento do universo fluído de viver.

Prólogo

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