Devo reconhecer que a história fugiu, por instantes, ao meu controlo. Há na estrutura do acaso elementos desconcertantes e eu não sou pessoa de tratar indelicadamente os visitantes inoportunos. Mas neste caso, não é o caso deste acaso. Bill é um velho conhecido. Está descrito na maioria dos bons compêndios e pode ser considerado o arquétipo do bom selvagem que não teve nunca a oportunidade de o ser. Tinha como sonho de infância ser o Robin dos Bosques, roubando os ricos para dar aos pobres, mas a inevitabilidade da intervenção estatal na economia levou-o, tal como é próprio de um bom estado, a roubar a classe média para distribuir equitativamente pelos ricos.
Teve sorte, temos de concordar. Vive na altura certa em que existe um vasto mundo ansioso por ser roubado e que ainda agradece por isso. Mas a distribuição da riqueza é um fenómeno de cariz erótico: não tem sentido quando aderente à rotina.
Peter, ele próprio, nomeado Peter para o que der e vier, passou a sentir que tinha alguma coisa para fazer para além daquelas missões já gastas que de vez em quando lhe calhavam sem que percebesse porquê.
Mestre Bill tinha para ele uma missão que não era de rotina. Tudo indicava que desta vez o espírito revolucionário do Mestre iria transferir significativa informação do super-ego social para o id estatal. Tudo questões que transcendiam Peter mas, por isso mesmo, lhe davam um poderosa sensação de pertencer a algo mais do que a sua miserável evidência. Os passos eram agora lentos mas seguros. Tudo parecia fazer sentido e encaixar. A verdade histórica tinha, por uma vez, buscado uma concretização dentro do mais improvável dos seus membros.
(continua)
Torcato Matos
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