quarta-feira, julho 19, 2006

Cedo

Percebi cedo que é muito mais fácil quando não se quer.
Cedo demais. E cedo demais também.
Por não querer, cedo passei a ceder ao querer que não era meu.
Porque era mais fácil. Foi isso que percebi cedo demais.
Cedo demais quer dizer antes de poder perceber que o que é mais fácil cedo, pode não ser mais fácil mais tarde.
Cedo demais quer dizer que não oponho resistência às vontades por não encontrar outra vontade para lhes opor.
Mais cedo ou mais tarde acabamos por ceder.
E eu que percebi, cedo demais, que era mais fácil não querer, percebi, tarde demais, que cedi demais.

Percebi, tarde demais também, que não era nada fácil não querer.
Embora em princípio, cedo portanto, parecesse que o mais fácil era não querer, percebi enfim, sem querer, que o não querer era difícil.
Se primeiro, e bem cedo, percebi ser muito mais fácil não querer, depois, muito depois, concedi que é muito difícil não querer.
Porque o que eu percebi já muito tarde foi que em todas as coisas há um antes e um depois e um antes e um depois antes e depois de cada antes e depois e assim sucessivamente.
E o que eu achei mais fácil tinha a ver com o depois porque ao não querer eu não tinha que me haver com as consequências de querer.
E ao querer, como percebi mais tarde - tarde demais - não cedo à vontade de não querer e fico, sem querer, indiferente ao fácil e ao difícil.

Percebi, concedo que nem tarde nem cedo, que antes cedia com facilidade e por causa disso era tudo demasiado difícil.
Parecia - e não posso dizer que perceba o que apenas parece - sempre demasiado cedo para dizer que bastava e sempre demasiado tarde para recomeçar.

Agora, enquanto não descubro coisas novas que possam, sem que eu o queira, alterar este desequilíbrio estável, agrada-me acreditar que não é cedo nem é tarde para tentar não ceder a esta vontade, que cedo percebi, de não querer por parecer mais fácil.
É uma questão de crer. Bom... mas isso de crer é outra história.

Prólogo

1 comentário:

Maria Carvalhosa disse...

Brilhante, como de costume. Vou-me viciando na leitura do que escreves e dou comigo a querer sempre mais. É assim mesmo com os vícios, não é? Mas este é um vício bom, porque não deixa culpa. Talvez possamos dizer que tem apenas o melhor dos dois mundos do vício e por isso é gratificante e apaziguador para o espírito.

Beijos.