quinta-feira, julho 06, 2006

A dificuldade de ler (11- P/P11)

É curioso como a curiosidade procura a razão irracional. É curioso também como o processo de pesquisa parte sempre de pressupostos conservadores. O jogo de cintura que os olhos fazem ao fixarem-se num brilho que os fascina é também uma manobra erótica. Pelo menos pode ser vista desse prisma sem que as cores se difractem.

Um corpo sozinho, sentado no descampado de um parque sobre uma pulseira com gotas de carbono puro, torna-se um alvo que não está em movimento. Nestas alturas os humanos agrupam-se. Reúnem-se em clãs, em tribos, em matilhas e em sociedades secretas.

Ele pensou vagamente que saber as horas lhe poderia ser útil. Poderia ser muito cedo ou demasiado tarde, que as nuvens não deixavam ver onde dançava o sol. Tinha uma ideia, também ela vaga, de que o dia, primeiro ficava mais claro e depois a luminosidade descaía quase até ao zero da noite. Mas faltava-lhe a experiência do dia para poder sentir-se à vontade.

Confesso que me aborrece ficar aqui à espera que o dia acabe para que então ele tome uma decisão qualquer que o tire da imobilidade. Adormeço de tédio estando aqui mais um segundo. Às vezes temos que saber desligar-nos das coisas mesmo que não gostemos delas.

Ele ficou bem. Deixei-o sentado, vigilante, atento aos movimentos ondulatórios dos outros, com um súbito interesse na vida, uma luz no olhar.
(continua)

Torcato Matos

2 comentários:

Elipse disse...

tens de voltar à narrativa. Mais reflexões dão cabo da história.

Anónimo disse...

Concordo Elipse, mas temos que reconhecer que não acontece nada. Pelo menos que possa ser digno de nota. E eu sou apenas um repórter. Olho à volta e vou narrando o que vejo. Mas, como repórter moderno que sou, na falta de factos vou propondo interpretações, sempre com o cuidado de não ser confundido com uma personagem, o que seria, isso sim, lamentável. Agradeço, no entanto, a sugestão.